CLARO QUE NÃO DEU CERTO
Minha mãe passou a dormir mais a
cada dia que passava e meu pai se tornou mais nervoso, pois, além da sonda, ele
estava agoniado com a nova situação: casa cheia, não poder andar direito,
limitações e total falta de privacidade. Ficou tudo muito estranho, não dá pra
contar direito sem entrar em intermináveis detalhes que soariam inacreditáveis.
Como meu tinha dito que a sonda
poderia acarretar uma infecção, meu pai ficava muito nervoso. Ao mesmo tempo
não queria tirar pois, o mesmo tio tinha dito que não poderia, só com uma
cirurgia que ocorreria em pouco mais de dois meses! Foi o suficiente para que
meu pai se desestruturasse: a sonda traria uma infecção, mas ele não podia
tirar, era isto que ele achava! A tal da cirurgia só ia acontecer dois meses
depois simplesmente por falta de vaga. O médico disse que se conseguisse um
horário antes poderia fazer. Meu tio foi contra a retirada da sonda alegando
que ele já tinha feito duas cirurgias: uma em junho (hérnia) e outra em
setembro (joelho) e que mais uma daria problema devido a anestesia. Mesmo com o
médico dizendo que não teria problema e que poderíamos levá-lo antes do dia ao
hospital na espera de alguma desistência (o que sempre acontecia) para a
cirurgia da estenose e retirada da sonda, meu pai não quis ir, pois meu tio não
concordava. Insisti com meu pai para levá-lo, mas ele não quis. Detalhes
importantes: 1) a cirurgia era simples, 2) o médico aprovava e, 3) meu tio foi
técnico de enfermagem e estava aposentado há mais de 30 anos, ou seja, sem
conhecimento e nada atualizado para dar palpites! Mas como meu pai sempre ouvia
o que ele dizia, resolveu só fazer a cirurgia na data marcada (como disse
antes, só por falta de horário disponível antes, porque ele poderia fazer a
qualquer momento) mesmo com todo sofrimento e agonia psicológica que a sonda
causava.
O tempo estava passando e
estávamos tentando entrar em uma rotina.
Em pouco tempo, a pessoa que
ficava durante o dia foi embora depois de uma grande “cena” do meu pai e não
voltou mais. Meu pai se descontrolou e gritou com ela, quase a agrediu. Logo
depois, a “enfermeira” foi dispensada por motivos óbvios, entre eles que ela
não era enfermeira. A família de amigos permaneceu por algum tempo. Entrou
outra pessoa para o dia e a noite ficou a parente que enchia minha mãe de doces
na clínica. Também sendo paga.
Durante algum tempo a “fórmula”
foi se arrastando. A cada dia que passava não via progresso na minha mãe e meu
pai foi piorando a olhos vistos e o pior: ninguém queria perceber. Não raro,
alguém faltava e eu tinha que me virar para não deixá-los sozinhos.
Meu pai fez a cirurgia da estenose
da uretra para tirar a sonda e passou a usar fralda pois não conteria a urina,
pelo menos por um tempo. Com isto, além do mercado, da farmácia, dos médicos,
dos exames, dos pagamentos, dos remédios, agora tinha a responsabilidade das
fraldas. Era início de dezembro de 2014.
Pelo fato de as pessoas que
“cuidavam” não serem habilitadas a tratar de idosos e pela situação, a
administração de tudo era cansativa, desgastante e humanamente impossível. Não
havia controle de nada! Ainda me pergunto o que faziam naquela casa que não
percebiam que os remédios, as fraldas e a comida acabavam. Eu era avisado em
cima da hora e tinha que resolver de imediato, pois, eram coisas que não podiam
ficar para depois. Saía do trabalho ou de casa de repente para tomar
providências que poderiam ter sido resolvidas com alguma calma. E eu ia lá
TODOS OS DIAS e também deixava dinheiro para emergências!
Com indicação médica, meu pai já
podia fazer fisioterapia e isso ajudava muito, mas, os outros problemas continuavam
latentes. Ele não teve a melhora que esperava, claro, pois o problema não era
do joelho. Ele acabou se deprimindo muito por continuar sentindo as mesmas
coisas e não adiantava mais lembrar do que o médico tinha dito. O foco da
preocupação dele continuava sendo o joelho.
FIM
DE ANO
Natal. Todos os
"colaboradores" tinham seus compromissos. Família? Sem comentários.
Fiquei três dias e duas noites direto e sem alguém para me ajudar. Ajudava-os
no banho, fazia comida, dava comida, trocava fraldas, ajeitava a casa
(arrumação, lavar louça etc.) e dava os remédios. A noite era a pior hora: eles
levantavam de meia em meia hora para urinar e molhavam todo o chão do quarto.
Meu pai tirava a fralda e jogava no chão. Minha mãe levantava da cama, mas não
dava tempo de chegar ao banheiro e se urinava toda. Eu levantava, limpava-os,
colocava-os na cama e ia limpar e secar o chão do banheiro e do quarto para que
o próximo a se levantar não escorregasse no molhado. Fiquei sem dormir
praticamente duas noites e acordado pensava na situação em que estava: será que
a pessoa que cuidava deles de noite ficava sem dormir também? E se ficava, como
fazia durante o dia? Cheguei à conclusão de que eles ficavam "à
deriva" a noite e que isto era muito perigoso.
Eu pensava muito neles e ficava
muito penalizado. Procurava conversar, levantar o astral. Meu pai praticamente
não falava. Minha mãe dormia muito e passou a me confundir com outras pessoas.
Por várias vezes não me reconheceu. Meu estado de espírito ia piorando cada vez
mais. Era muito doloroso ver aquilo e não saber o que fazer e se o que eu
estava fazendo era o certo. Por mais que eu tentasse, nada acontecia. Achava
que a culpa era minha, que não estava fazendo direito o que deveria fazer.
Vivia num conflito muito grande. Culpa, responsabilidade e vontade de fazer
mais, mas, nada dependia mais de mim. E eu não sabia. Sofri muito.
No Ano Novo consegui tirar uma
folga de cinco dias dando uma colaboração financeira para que eles ficassem
na casa de parentes (a que ficava com eles). Claro que tem o "não precisa pagar", mas, se
já colaborava por outras situações, seria mais uma e eu precisava urgente de um
descanso.
Ligava sempre para saber como
estavam e ainda tinha que ouvir certas indiretas de quem não era para estar
falando, tive que aguentar. E
eu precisava descansar!!! O ano de 2014 foi muito pesado e o Natal foi
a saideira do ano. Praticamente não aproveitei a viagem, pois, não tinha como
se desligar com tanta preocupação na cabeça.
Já tinha passado o mês
de dezembro e entrava janeiro e tudo deixava bem claro que só iria piorar se
não fossem tomadas as atitudes necessárias: ou colocar uma equipe adequada para
o cuidado deles ou a ida para uma casa geriátrica.
Repetindo: tenho
certeza do grande erro que foi ouvir pessoas que não sabiam nada de cuidados de
idosos e que tinham “grandes interesses” em mantê-los em casa. Comecei a
perceber que a prioridade não era o cuidado dos meus pais e sim mantê-los em
uma situação que se arrastava pelo simples fato de que era melhor
assim. Melhor pra quem?
Desde abril de 2014 eu
já não tinha mais vida própria, minha mãe estava em franca decadência e meu pai
apresentava problemas novos. As contas aumentavam e as despesas triplicaram. O
cansaço e o stress dominavam meu dia a dia. Era sempre mercado-farmácia-médico-exame
em doses múltiplas. E ainda achavam que eles iriam melhorar.