A ficha cai


A FICHA COMEÇOU A CAIR

Meu pai não ia poder ficar em casa depois da alta do hospital devido aos cuidados especiais que ele ia precisar para a sua recuperação: remédios em horários determinados, a manutenção da sonda, a dificuldade para tomar banho e todos os demais cuidados. Minha mãe estava em uma situação de apatia grande e já não cuidava direito dos afazeres domésticos, compras e nem dela mesma.
Meu tio deu a ideia de uma clínica particular que meu pai era associado e que tinha condições de cuidar dele durante a primeira etapa, até conseguirmos acompanhantes para ele em casa. Minha mãe ficou como acompanhante dele e com isto resolveríamos as situações de ambos, pois, um faria companhia para o outro, teriam refeições e meu pai o acompanhamento da enfermagem.
Enquanto isso eu arrumava alguém para ficar em casa com eles. Percebi, não só eu, mas como pessoas próximas, que iria precisar mais do que uma diarista, afinal os cuidados não eram poucos e teriam que ser 24 horas.
Durante a estadia na clínica fui informado que minha mãe passou de acompanhante a paciente: dormia o dia todo, não queria se alimentar, não tomava os remédios direito e não tomava banho! Não comia as refeições da clínica e para completar, uma parente que ia visitar (que era a mesma que trabalhava na casa deles) levava doces para ela substituindo as refeições. Vale lembrar que a médica tinha recomendado que ela bebesse muito água e se alimentasse bem.
Quanto ao meu pai ele tinha crises de agitação, chegando a se jogar da cama e a gritar pela janela do quarto que queria sair dali e que estava agoniado. Eu não sabia o que falar ou fazer. Sabia somente que eles tinham que sair dali, pois, tirando os profissionais da clínica - que sabiam exatamente o que estava acontecendo - todos falavam que era uma fase e que em casa tudo voltaria ao normal. Normal? Eles precisavam de um lugar apropriado para um acompanhamento.
No decorrer dos dias as enfermeiras me avisaram que a situação era bem complicada, que eu me preparasse. Eu não entendia direito e não imaginava que meu pai poderia estar já com algum sinal de demência. Eu não sabia o que vinha pela frente.
O foco era na recuperação da cirurgia do meu pai e em um tratamento adequado para evitar a progressão da demência senil na minha mãe. O que eu não sabia era que uma vez iniciado o problema, não existe melhora, afinal, é uma doença degenerativa.
Nessa época meu cansaço redobrou: ia na clínica para ficar com eles, tentava fazer meu pai andar e se animar, tentava distrair minha mãe, além de contornar as situações que meu tio causava na clínica, pois queria dar ordens às enfermeiras e aos médicos.
A situação foi ficando insuportável. Teve dias que fui duas vezes lá para poder levar remédios, roupas e fraldas e resolver problemas. Lembrando ainda que eu tinha meu trabalho, minha casa e que cuidar da minha saúde. E toda vez que entrava na clínica era uma novidade ruim: do comportamento do meu pai, do comportamento da minha mãe e das atitudes do meu tio.
Tive a ideia de uma clínica geriátrica pelo menos pelo período para recuperação. Já era minha intuição me guiando.
Meu pai precisava de um cuidado adequado e minha mãe se beneficiaria muito em um lugar com a atenção devida. Todos acharam um absurdo tal hipótese. Mesmo assim comecei a pesquisar na internet. Alguma coisa muito forte me dizia que eu deveria ter procurado logo uma clínica especializada ou uma casa geriátrica. As enfermeiras da clínica que meu pai ficou depois da cirurgia já haviam me dito que eles necessitariam de uma atenção diferenciada. No meio de todos os afazeres, alguma coisa me empurrava para conhecer alguns lugares para ver como funcionava. Em meados de outubro eu comecei a pesquisar.
O primeiro passo foi a internet. Vendo os sites dava para ter uma ideia das acomodações, atividades e outras informações. Além disto fiz uma pesquisa de locais mais próximos de casa, para facilitar visitas e manter o contato de amigos e família. Liguei para alguns lugares para marcar visitas e ter noção de valores. Munido do mínimo de informações passei a visitar para conhecer. Para minha surpresa verifiquei que existiam muito mais casas geriátricas, casas de repouso, hotéis para idosos (ou o que prefiram chamar) do que eu imaginava!
A primeira que fui tinha uma propaganda muito favorável: um casarão aprazível, jardim arborizado e total infraestrutura e um nome que trazia aconchego. Chegando lá achei outra realidade: jardim malcuidado e um grupo de funcionárias fumando perto da entrada da casa. Começou mal! A responsável do lugar veio conversar comigo e ficamos em uma mesa de jardim conversando enquanto ela também acabava de fumar. Entrei para conhecer as instalações. Apesar de amplo, o local era triste. Vários idosos em cadeiras de rodas largados pelas salas, todos muito ausentes. Fui conhecer os quartos. O cheiro não era bom, uma mistura de material de limpeza com urina. Não sei se era das pessoas ou do chão, das camas. Fui ficando enjoado e deprimido. A propaganda realmente era enganosa! O assunto com a gerente era muito prático: era como se eu fosse guardar algum objeto ali e eles tomariam conta. Fiquei muito mal, queria sair dali o mais rápido possível, não tinha mais palavras. Desci a ladeira que me levava até a rua, sentei no meio fio e fiquei. Chorei pelos que estavam lá, de nervoso.
Conversei depois com uma grande amiga que me orientou a conhecer outros lugares, pois, ela conhecia alguns e que eram bem melhores do que aquele.
Depois fui a outras duas consideradas como de excelente qualidade. Uma era outro casarão com uma vista maravilhosa e um grande pátio. Estranhei não ver ninguém ali desfrutando de tão belo lugar, apesar de maltratado. Entrei e dei uma volta pela casa. Uma senhora muito simpática me atendeu e explicou a dinâmica da casa. Quando conheci o quarto fiquei agoniado. Parecia uma cela, sem ventilação, com camas baixas e péssima iluminação. E o preço não era baixo! Saí de lá menos pior do que da primeira, mas com a certeza de que não voltaria. A outra era parecida com um hospital. Alguns andares, vários quartos. Realmente um ambiente melhor. Conversei com a responsável que foi muito profissional e me mostrou todas as instalações. Tive outra impressão e comecei a perceber que tinham casas e “casas”. Apesar da péssima primeira impressão, vi que, como todos os serviços, existem os bons e os ruins. Tudo também dependeria da proposta e do paciente.
Visitei alguns locais. Outras vi pelos sites, liguei e conversei com pessoas a respeito. Pesquisei atividades, propostas das casas e preços. Visitei várias, inclusive fui a uma com meu pai e a irmã dele. Ele estava bem animado, gostou do lugar e minha tia, também. Ele estava preferindo ir para uma casa de repouso do que ficar em casa.
Assim levantei a hipótese das casas geriátricas. As pessoas que conviviam conosco, como citei anteriormente, se indignaram e logo resolveram criar a dinâmica que resultou na permanência deles em casa com todos os improvisos e situações ditas aqui e em uma piora significativa.
Por fim decidimos (eu, parentes e uma família amiga) levá-los para casa com um arranjo de pessoas que se revezariam como acompanhantes. Uma senhora ficaria de dia, uma “enfermeira” ficaria de noite e nos finais de semana uma amiga da minha mãe com seu marido e filho ficariam lá. Eu cuidaria da administração de tudo: compras, remédios, idas a médicos e exames, pagamento de contas e também no revezamento no caso de alguma ausência. Tirando a amiga da minha mãe, as outras acompanhantes eram devidamente pagas.