TODOS TÊM PROBLEMAS
Outro dia conversei com a família de uma
hóspede da casa. Sempre nos víamos, mas nunca tínhamos nos falado. Sabemos que
cada um deles, cada um de nós e cada família tem uma história e que quando se
tem um parente com demência, a história tem uma parte que é muito dolorosa.
Assim como existem vários tipos de demência,
existem várias histórias e vou entendendo o porquê de cada sintoma, de cada
doença. Ao mesmo tempo que dividimos nossa dor, aprendemos a respeitar mais
ainda o outro.
Mesmo os que não tem alguém com problemas de
saúde na família, permita-se ouvir e entender o outro, mesmo que você não saiba
qual problema ele vive.
Sem julgamentos.
MALDADE GRATUITA
Tem pessoas que são más, gostam de fazer
comentários ou dizer palavras que causam incômodos, não sei dizer o porquê. Aos
poucos tenho aprendido a lidar com isso.
Asilo. Asilo é uma palavra que não significa
coisa boa, agradável. Em se tratando de idosos, asilo sempre foi usada para
significar lugares de abandono e falar em asilo era praticamente uma ameaça.
Reconheço que algumas instituições não tinham e não têm o conforto e o cuidado
adequados para os idosos, o que serviu para ratificar ainda mais a fama de
depósito de pessoas, desde sempre. Os lugares pagos e dignos, eram pouco
comentados, acredito que por algum tipo de pudor ou discrição ou mesmo para não
serem confundidos com os asilos públicos.
Muita coisa mudou. Hoje em dia tempos lugares
filantrópicos, pagos, muito caros, religiosos, enfim, uma infinidade de tipos
de casas geriátricas, casas geriátricas.
O conceito de asilo mudou muito. As dependências, o tratamento, a hospedagem,
tudo mudou. Ainda existem lugares inadequados mas existem lugares bons. A
própria legislação mudou, órgãos de fiscalização e assistência foram criados ou
aprimorados para que a estadia de idosos em casas especializadas pudessem ter
mais dignidade possível. Logo, o conceito de asilo mudou em todos os sentidos.
Mesmo assim há pessoas que gostam de se
referir a lugares que cuidam de idosos com tom pejorativo. Costumo falar casa
geriátrica, casa de repouso, lar de idosos. É uma maneira de mostrar que não
existe mais o conceito de abandono e sim de bom tratamento e cuidado. Mesmo
assim, há pessoas que insistem - mesmo sabendo, mesmo tendo conhecido, mesmo
sabendo que um dia podem ir para lá sem a mesma atenção que vários idosos têm –
em chamar de asilo. E falam com um deboche
no olhar, com a certeza que estão incomodando, com um riso no canto da boca. É
simplesmente a maldade gratuita. Simplesmente querem fazer a gente se sentir
mal por nada. Sabem que tem um sentido ruim, mas insistem em falar e se você
fala que não é bem assim, insistem em dizer que é assim sim, que é a mesma
coisa, mesmo sabendo que não. Não querem saber como você, que tem um parente em
um local para idosos, se sente, pois, independentemente do local que o idoso
está, a questão é do mal-estar em ver seu parente sem memória, sem liberdade,
sem condições de viver sozinho, dependente. É saber que não há melhora e nada
mais que se possa fazer.
Mas não se preocupam com isso e sim em dar uma
machucada em dizer a palavra asilo em
seu tom mais pejorativo.
INTERESSE DA FAMÍLIA
Sempre recebo ligações de amigos dos meus pais
querendo saber deles. Meu pai tem um amigo desde que eram jovens e ele mora em
outro estado. Não fica mais de 15 dias sem ligar ou então eu ligo e dou o
telefone para meu pai falar com ele. Fico muito feliz por isso e ao mesmo tempo
triste em perceber que o irmão dele não liga e das raras vezes que visita não
faz pergunta alguma sobre o estado de meu pai. Mesmo que ele não quisesse falar
comigo, poderia perguntar para a enfermeira ou para o médico. Mas, não.
VELHICE E INFÂNCIA
Sempre falo que é como se eu tivesse ganhado
dois filhos. São duas vidas dependentes que precisam de mim. É como se eles
tivessem virado crianças. No dia a dia, no cuidado, nas palavras, na
compreensão, enfim, acabamos infantilizando nossos velhos e fazemos isto pela
comparação de infância com dependência. Mas não é bem assim.
Por mais meigo que um idoso possa ser, ele já
passou por muitas coisas na vida, já viu e viveu não poucas e boas, mas muitas
e nem sempre boas e é isso que faz a diferença quando olhamos idade e
dependência.
Uma criança não tem essa visão da vida, a
infância tem a doçura que a velhice não traz. Quando olhamos para uma criança,
nós vemos um ser indefeso, dependente, doce e inocente. Na velhice a inocência
e a doçura não fazem parte pela vida que foi vivida e também por existir a
consciência de que todos os homens terão seu fim, de que o fim está muito mais
próximo do que o começo e que quando se trata de doenças como a demência e o
Alzheimer, infelizmente não há mais o que aprender e o que conhecer. Como
sempre digo, só podemos manter a dignidade do idoso.
SOLIDÃO
Uma preocupação que eu tinha com meus pais era
de que eles poderiam sentir solidão, mas me convenci que não era o caso.
Solidão sentiam em casa, pois, eu trabalhava o dia todo e as pessoas que faziam
“companhia” não cumpriam exatamente seu papel, até mesmo por falta de
habilidade.
Na casa geriátrica eles tem atividades. É como
o lanche do avião que se faz para passar o tempo. Tem a hora das refeições, tem
a terapia ocupacional, a fisioterapia, a visita do médico e a rotina dos
cuidados de medir pressão, etc. e o tempo passa. Além disso interagem com
outros pacientes, conversam, mesmo que de maneira peculiar. Conversam e se
distraem com as pessoas que lá trabalham, pois, são pessoas que escolheram a
profissão e por isso se propuseram a aprender a lidar com idosos. Sempre passa
uma enfermeira que faz um aceno, dá um sorriso ou conversa um pouco, sempre tem
um funcionário que pergunta como está e faz algum comentário. Além disso tem as
visitas dos outros idosos, que acabam se conhecendo e conversando. Todos nos
tornamos conhecidos, afinal estamos compartilhando a mesma situação, o mesmo
espaço e as mesmas emoções e isso faz com que sejamos, de certa maneira, todos
amigos.
Também
não estão sozinhos, pois se encontram nas suas lembranças, coisas que de
repente não “lembravam” mais e que agora vem muito à mente. A memória do
passado fica muito mais forte.