Corpo, cuidados, rotinas


AINDA A ACEITAÇÃO
Sempre me pergunto porque não aceito ainda essa situação. Saio de lá triste. Sempre querendo que as coisas tivessem sido diferentes. Mas acho que isso tem a ver com a minha personalidade. Vejo parentes que aparentemente lidam melhor com isso. Eu já sempre fui de querer resolver tudo, dar um jeito, achar que sempre se pode mudar as coisas, só que com esse tipo de quadro de doenças degenerativas, não tem como melhorar, como mudar para melhor. A progressão é inversa.
Por mais que eu entenda toda a situação, os sintomas e consequências eu ainda não aceitei. Entender é uma coisa, aceitar é outra.

A LIBERDADE
A doença trouxe uma certa liberdade para eles. Hoje, minha mãe tem menos complexos e lida melhor com ela mesma. Antes era presa a insegurança, dúvidas, aparências. Hoje vejo ela muito mais à vontade. Meu pai é a mesma coisa. Se antes queria resolver ou se sentia mal de não conseguir alguma coisa, ou tinha a ansiedade de algo que nem ele sabia que o incomodava, agora está mais tranquilo, com menos preocupações. Com menos medos.

BANHO, NECESSIDADES FISIOLÓGICAS, HIGIENE ÍNTIMA
A cada dia observo e lembro de mais situações. A cada dia que passa vejo que pequenas coisas para nós não são pequenas como imaginamos. Quando alguém fala em se colocar no lugar do outro, acho que realmente é para fazê-lo, em todas as situações.
Por esses dias me veio à cabeça outra vantagem da permanência do idoso em uma casa de repouso: a vaidade e os constrangimentos que ele pode passar em casa. Imaginei como deveria ser na cabeça do meu pai a sensação de estar sendo “tratado” e “cuidado” por pessoas estranhas ao seu convívio que não eram da área de saúde – ou por pessoas da família. Como será que ele se sentia quando a pessoa que fazia a comida dele era a mesma que trocava sua fralda? E que essa pessoa era conhecida de um parente? Como ele se sentia quando uma pessoa da família, mulher, dava banho nele?
Mesmo quem não é idoso se constrange ao ser cuidado por alguém. Agora, imagina um homem idoso, totalmente reservado, discreto e vindo de uma família conservadora, ser ajudado no banho por uma moça da sua própria família. Por mais que ela estivesse sendo paga para isso, é uma situação constrangedora: pelo parentesco, pela diferença de sexo, pela falta da habilidade e pela “intimidade” da situação. E já que tendemos a infantilizar os idosos e imagino como era na hora do banho e para enxuga-lo, principalmente nas partes íntimas.
Em relação à minha mãe, já era um pouco diferente, pois, eram pessoas do mesmo sexo e que havia uma certa amizade e mais liberdade. Meu pai, não. Ele era muito encabulado, muito envergonhado. Imagino como ele deve ter se constrangido.
De uma hora para outra, praticamente, ele se viu dependente de pessoas que ele convivia, que ele ajudava e isso deve ter mexido muito com a cabeça dele.
Em uma casa de repouso a situação é outra a começar pelos uniformes. Quando se está sob cuidados de um(a) técnico(a) de enfermagem, a situação é diferente. Mesmo com certa “vergonha”, sabe-se, mesmo que instintivamente, que é um profissional e que está habilitado para isso. Primeiro se cria um vínculo profissional para depois, já acostumado com o tratamento, surgir um vínculo mais pessoal e o dia a dia se torna mais comum, afinal nada foi imposto.
Banho, necessidades fisiológicas e higiene íntima são momentos tão pessoais que devem ser respeitados em qualquer idade e devemos pensar o que passa na mente de um idoso quando tratado nessas horas.
Será que alguém pensa nisso? E se fosse conosco?

PRAZER EM CUIDAR?
Quem acompanha e/ou cuida de algum idoso tem que se acostumar com o dia a dia ou entrar no automático, e isto inclui se acostumar também com o que se sente.
Para mim tem sido muito difícil tornar rotina as minhas atribuições para com meus pais. Entrar no automático, então... Admiro quem o faça e acho certo. O sentimento sempre continua, mas, não devemos sofrer tanto com uma situação que já está estabelecida e que tende a piorar. Mas não é fácil.
Não me vejo cumprindo uma obrigação e sim retribuindo o cuidado que tive deles, mas, às vezes me sinto meio que “cobrado” por pessoas que mal sabem o que falam, principalmente aquelas que dizem que tratam do pai ou da mãe com prazer. Conheço pessoas que mantém os idosos em casa, geralmente em condições duvidosas, mas se dizem muito em paz. Como alguém pode ter prazer em cuidar de seu idoso? Se a pessoa está acompanhando a decadência da doença, as consequências, a dependência daquele que te deu independência, que prazer é esse? Eu sentia prazer na companhia deles, em vê-los saudáveis, rindo, se divertindo e fazendo o que queriam. Um profissional pode sentir prazer em tratar de alguém afinal é um profissional e não tem laços de vida com seus pacientes, mas um filho ou filha dizer que sente prazer? Sei lá, acho que alguém só pode sentir prazer nessa situação se estiver se vingando do outro ou de si mesmo ou querendo suprir alguma crise psicológica, já que várias vezes em que está “cuidando” e se aborrece, aproveita para lembrar de situações passadas ou jogar na cara mágoas escondidas, o que é uma covardia.
Quem me dera não ter que cuidar deles, não por mim, mas, por não ter que presenciar essa fase da vida deles.

O OLHAR
Hoje foi mais um dia de coisas a cumprir: levar medicamentos, roupas, conversar com os profissionais da casa. Tudo vai caminhando. É cansativo, é trabalhoso, é corrido. Eles estão bem dentro das suas possibilidades. Saio de lá correndo para ir para o trabalho. Ainda bem que não é todo dia que tenho que tenho que me desdobrar. Mesmo nesses dias arrumo um jeito de ficar um pouco com eles, de conversar, fazer um carinho e distrai-los.
Por um tempo olhei bem nos olhos da minha mãe. Ela está bem, alegre, mas ao mesmo tempo tem outra pessoa ali. É ela mas com alguma expressão diferente. Um pouco infantilizada, me reconhece e brinca comigo, fala e sorri. Mas não é a mesma e isso me toca, a ela não. Uma pessoa tão bonita, tão inteligente e de personalidade tão forte, será que um dia imaginou que ficaria assim? Esse olhar é de alguém que sempre esteve lá mas que não se apresentava e que agora não mais se importa? Saí de lá me perguntando e tentando entender ou conhecer quem era essa pessoa, dona daquele olhar, agora.
Será que só eu que penso nisso?

DENTISTA E CUIDADOS
A casa indicou que fizesse uma avaliação com um dentista. Em condições normais e com tanta coisa na cabeça eu nunca teria me lembrado. Foi feita a consulta, a avaliação e iniciado o tratamento. Em um primeiro momento ele foi ao consultório e fez limpeza e retirada de tártaro (como qualquer pessoa). Após, o dentista pode avaliar com mais detalhes.
Com a idade vem a perda óssea e isso não é novidade. A higiene é feita de maneira regular diariamente, mas, nem sempre, o idoso colabora, pois, geralmente fecha a boca e não deixa a cuidadora fazer seu serviço. Junta uma coisa com outra e, assim como qualquer pessoa, é normal que tenha que fazer algum tipo de procedimento para evitar inflamações e infecções. E o tratamento segue.
Como já relatei antes, aconteceu, também, a questão dos olhos que estavam irritados. Foi ao oftalmologista que disse que, com a idade, os canais que lubrificam os olhos podem entupir ou produzir pouca lubrificação. Coisas da idade e da doença, a pessoa se debilita em um todo, as coisas já não funcionam como antes. Também tem a questão da posição que o idoso fica, que causa um lacrimejamento e secreção. Todo um processo de causas e consequências dentro do comum. Também dentro do comum, me atrevo até a dizer que se acontece isto é porque está “funcionando”. Enfim. Porém fiquei um tanto incomodado com a secreção e o lacrimejamento, mas, antes que pudesse conversar com a enfermagem pensei que, caso fosse manter, o tempo todo, os olhos “limpos”, um outro problema, pior, apareceria: a pele do idoso tende a ressecar e ficar mais sensível e fina. Se for limpar toda hora com gaze ou até mesmo algodão, poderia ferir ou causar alguma irritação. Pensei, refleti e vi que “faz parte”, é melhor não trocar um problema pelo outro.
Outra observação foi uma pequena mancha no braço. Perguntei do que se tratava, pois, poderia ter sido algum machucado. A resposta foi mais que esclarecedora: fragilidade capilar, as veias também ficam mais sensíveis à medida de que estão mais expostas, pois, a pele está mais fina, além disso a mancha não era em nenhuma parte que pudesse ter contato quando alguém dá banho ou troca de roupa ou algum outro tipo de procedimento.
Minha preocupação maior é com o bem estar e o cuidado e trato deles, mas, não tenho como negar que me vem à cabeça alguém que pouco visita, pouco se informa e pouco se interessa, se ache no direito de dar palpites e se meter, o que me deixa muito irritado e chateado.
Faço o meu melhor, sei que é uma fase da vida deles, mas não aceito e nem me acostumo totalmente.