Menos...


OBSERVANDO
Mais um dia. Minha mãe está bem, alegre e comunicativa e meu pai mais parado. Ele se alimenta bem e sozinho, mas tem ficado mais quieto.
Meu tio por parte de pai foi visita-lo. Como a maioria das visitas o clima é sempre péssimo, como se fosse culpa de alguém a situação do meu pai e da minha mãe. Deixei-os a sós e fiquei com minha mãe. No fim de quinze minutos meu tio disse que ia embora e falou que não aguentava ver aquele quadro. Realmente não é fácil, mas, como disse para ele, se é difícil para ele, imagine para mim, que são meus dois pais! Isso ninguém pensa.
Observo muita falta de solidariedade entre familiares e até mesmo com os próprios idosos. Repito sempre que palpites não faltam mas mãos estendidas são poucas, ainda mais de familiares. Observo que meu pai sente o clima ruim e as duras indiretas. Observo que meu pai quando recebe algumas visitas interage e conversa e quando recebe de alguns familiares ele finge que dorme. Não tenho como explicar e já até desisti, respeito a decisão dele ignorá-los.
Tenho aprendido a lidar com tal falta de respeito para com meus pais e com a minha dor. Se não entendem, que respeitem. Compreendo que não é fácil para ninguém, mas é preciso entender, se informar. Minha dor, meu estado de espírito, meus pensamentos não tem o menor valor para quem quer achar qualquer coisa. Já pedi ajuda, já pedi para acompanhar comigo a evolução e ouvi que quem tem que cuidar é o filho. Então me pergunto por que tanto palpite e tantas indiretas se não ajudam?

ALTERNAR
Já devo ter dito antes: é bem mais fácil cuidar do parente do outro do que dos nossos. Deveria haver a possibilidade de alguns dias e trocar com alguém e esse alguém fazer nossa visita, ter nosso cuidado e fazer companhia ao idoso. Acredito até que seria melhor pela questão do olhar prático. Uma pessoa de fora acaba percebendo outras coisas que acabamos nos acostumando e além disso para o idoso é outra pessoa fazendo visita o que faz que se distraia mais!

CONSEQUÊNCIAS
Já ouvi várias vezes que a pessoa que cuida adoece mais que o idoso. E sei muito bem que isso é verdade.
Hoje conheci uma senhora de 83 anos totalmente lúcida. Ela quer morar em uma casa geriátrica provavelmente por estar insegura de ficar sozinha em um apartamento.
Ficou viúva há pouco tempo. Seu marido morreu com Alzheimer depois de 10 anos com a doença. Nesses dez anos a doença evoluiu, como sempre acontece. Ele deixou de saber quem ela era, desconhecia a filha também. Passou a cair sozinho em casa e a ter cuidados aumentados com o tempo. Era acima do peso. Sua esposa o ajudava toda vez que ele caía no chão, fosse da cadeira ou da cama de noite. Mesmo com uma pessoa que a ajudava era tarefa difícil.
A doença progrediu mesmo com ele em casa. Progrediria da mesma maneira se estivesse em uma casa de repouso. Ela conviveu com ele, mas ele não mais conviveu com ela, pois, sua mente estava ausente. Os anos passaram, como deve ser. Ele faleceu e ela ficou. Agora, além da saudade, ela tem também um grande problema de coluna devido aos cuidados dedicados ao seu marido. Ela mal anda, reclama de dor o tempo todo e sabe não ter muito o que fazer.
Com certeza se ele tivesse ido para uma casa geriátrica teria levado menos tombos e teria corrido menos riscos e ela, além de menos preocupações, não teria ficado com esse grande problema de coluna que irá acompanha-la até seu fim, que pode ser próximo ou não, por isso decidiu ir para uma casa geriátrica!!! Moral da história: a doença avança, o tempo passa e a morte é certa. E para que cuidou e permanece vivo, além da dor da perda, ficam as dores e doenças físicas como consequências.

LEMBRANDO: A ADAPTAÇÃO
A adaptação do idoso em uma casa de repouso pode ser comparada, proporcionalmente, a uma criança na escola. Cada casa tem sua regra, seu tempo. Cada idoso tem seu tempo. E é importante entender isso.
Existem várias situações para a hospedagem em uma casa geriátrica, entre elas: quando o idoso não tem mais condição de responder por si mentalmente, quando a família não tem condições de mantê-lo em segurança ou quando o idoso, ainda lúcido, decide por si só. Esta última situação conheci três que estavam lúcidos e decidiram ir. A grande maioria que vai já não tem mais condições de ficarem sozinhos.
No início existe uma resistência, ainda mais se tiver visita muitos dias seguidos. O ideal é que fiquem alguns dias sem a visita, o que, para mim, pode ser doloroso mas acredito fazer efeito. É uma maneira de obter resultado mais rápido. Já vi idosos que estão super bem acostumados, mas, quando recebem visitas começam a chorar ou pedir para saírem de lá. É para chamar a atenção ou o costume de repetição, é para pedir mais visitas, em alguns casos.
Deve-se observar se a adaptação vai ser dentro do limite. Caso haja grande dificuldade, ou espera para hospedar em outra época ou procura uma outra casa. Tudo tem seu tempo e seu jeito.
Uma situação que ocorre, quando o idoso está adaptado em sua nova casa e fase, é resistir ao novo, como, por exemplo, sair, visitar a casa de alguém, ir à rua. Vários idosos passam a estranhar até mesmo lugares que gostavam de ir. Se entram na casa de alguém para passar o dia ou visitar, podem se sentir mal, não quererem permanecer. Um passeio na rua ou a um shopping pode causar determinado transtorno, que pode ser um choro, medo ou nervosismo. Acredito que a mente fica muito limitada e uma “novidade” aliada a sons diversos, pessoas diferentes e movimentações, podem causar uma grande confusão mental. Não é uma regra, é apenas uma observação de alguns casos.

CADA VEZ MENOS
Vários meses estão passando. Minha mãe está estável ou seu processo está muito lento. Fisicamente está bem, mas, tenho observado um distanciamento, bem aos poucos.
Meu pai está em um processo mais rápido. Mesmo se alimentando bem e interagindo, falando e observando as coisas, fisicamente ele tem estado cada vez mais debilitado. O corpo cada vez mais encurvado, mesmo com alimentação e suplementação, está muito magro. Em um determinado momento, o corpo enfraquece, para de absorver nutrientes de maneira correta, trabalha mais devagar, se move menos. A fragilidade está estampada. Dói muito não ter como reverter a situação. Em alguns dias ele está mais alegre, mais animado, em outros, fica muito parado, quase não se mexe. A fisioterapia não tem ajudado muito, não há muito para fazer. Fico um pouco tranquilo porque sei que está se alimentando bem, pelo menos esse prazer ele ainda tem!