O DIA A DIA
As visitas diminuíram drasticamente. Continuo
sempre perto e alguns amigos também. A família aparece muito pouco. O lado bom
é que não perturbam meu pai. Reparei que quando chegam os familiares, ele
“dorme”, e depois que vão embora ele “acorda”. Achei que era coincidência, mas,
não. Os comentários, as conversas, desagradam muito a ele. Não consigo saber o
que ele sente. Pergunto, mas ele não fala. Quando toco nesse assunto ele só me
olha. Sobre outras coisas, conversamos, mas, sobre isso, não. Meu pai ainda
fala com o amigo dele que mora longe. Sempre ligo e passo o telefone para que
eles conversem. Meu pai tem falado menos, escutado mais.
Durante o dia, os idosos ficam no pátio, é
fresco, tem claridade e movimento. Quando está meio frio, os mais frágeis
entram. Meus pais gostam muito de ficar lá. Em dia de festa, todos se alegram.
Nos aniversários, vem alguns parentes e sempre tem uma festa.
Este mês meu pai fez aniversário. Fizemos um
bolo e uma mesa bem bonita. Ele estava animado, sorridente. Sabia que era para
ele! Tiramos foto, nós três. Tanto ele quanto minha mãe estavam muito alegres!
Procuro não pensar em como vai ser o ano que vem, não dá para prever, afinal,
tudo tem sido uma surpresa, às vezes boa e às vezes, não.
Os cuidados continuam: colchão especial,
alimentação controlada e balanceada, suplementação e fisioterapia.
Os familiares dos outros hóspedes estão mais
próximos, vamos fazendo amizades, dentro do possível e da nossa realidade. O
ambiente é muito leve.
UM MÊS DIFERENTE
Mesmo com a rotina, tenho percebido um distanciamento
muito grande. Meu pai tem ficado em seus pensamentos. Come e dorme bem, mas
durante o dia, “viaja”. Minha mãe, também. Este mês tem sido assim.
O FIM DO ANO QUE ESTÁ CHEGANDO
Estamos há dois meses do fim do ano. Ando
muito preocupado com meu pai. Está visivelmente mais alheio. Passou a comer
pouco. Para não ficar mal alimentado, as técnicas têm dado pela sonda ou comida
pastosa. Está muito frágil.
PREOCUPAÇÃO
Meu pai começou a ficar com a respiração
diferente. As técnicas também perceberam que já não tem feito as necessidades
fisiológicas direito. Levamos ao hospital para que pudesse fazer um check-up.
O médico examinou e disse que ele estava com
uma pneumonia leve e que era em função da idade e do estado de saúde e que eram
muito comum em idosos com a doença dele. Fiquei muito preocupado. Ele foi
medicado e ficou em observação. No dia seguinte, voltou para casa. Poucos dias
depois, foi indicado que ele voltasse ao hospital. O médico deixou transparecer
que a situação não era boa e que fazia parte do quadro geral dele. Mesmo sendo
bem alimentado e cuidado, era comum ter uma piora: ou por causa do intestino
que não funcionava bem ou por causa do pulmão. Meu pai ficou dois dias na
emergência e depois foi para uma sala tipo um CTI, dentro da emergência. Fiquei
muito mal, pois, não poderia ter acompanhante e o horário de visitas era muito
curto. Mesmo com toda a restrição fui todos os dias lá e sempre conversava com
os médicos e técnicos. No terceiro dia foi transferido para o quarto. Uma
melhora! Ele precisava tomar antibiótico por uma semana, por isso tinha que
ficar lá. A família, sumiu de novo. Nesse período, só foram uma vez. Eu me
dividia entre meu pai e minha mãe. Mesmo ele com acompanhante, eu ia todos os
dias, praticamente. Minha mãe sentia um pouco a falta dele.
Em pouco tempo no hospital, em que ficou no
CTI, começaram a aparecer escaras. Ele nunca teve, mesmo já a algum tempo
acamado. Fiquei muito preocupado, pois, em pouco tempo, o machucado aumenta
muito! Ele teve em dois locais. Quando foi para o quarto, começamos a tratar e
no terceiro dia já teve uma melhora. Nessa hora que percebemos mais ainda a
fragilidade dele. O corpo bem debilitado. O pensamento muito distante. Quase
não mexia nem falava. É muito ruim presenciar essa situação. Por outro lado,
ainda bem que eu estava do lado dele, podia tranquilizá-lo, confortá-lo e
conversar um pouco. Quando eu tinha que ir embora, era uma mistura de
preocupação, medo e cansaço.
A ALTA
Eu conversava muito com o médico e toda a
equipe. Meu pai ficou internado na geriatria e a equipe era muito boa. Todos
muito humanos e solidários. Um carinho muito grande.
Com dez dias, o médico disse que meu pai
estava pronto para alta. Informou que já estava sem a pneumonia e que estava
bem, dentro do possível. Os braços estavam muito inchado, era devido ao soro e
o médico disse que voltaria ao normal. Fiquei tranquilo com a alta, mas ao
mesmo tempo, preocupado. Dadas as instruções para a volta, foi dito que ele
estaria melhor em casa, pois, era muito bem cuidado e estaria perto da minha
mãe. Senti que não era como eu estava pensando. Puxei pelo médico, tentando
entender o que estava acontecendo. Ele disse que foi feito o que deveria ser
feito e que agora era só ir para casa. Eu não quis entender as entrelinhas.
Era domingo e fomos para a casa. Minha mãe
ficou feliz em vê-lo e ele também! Fico muito emocionado quando os vejo assim!
MISSÃO DADA, MISSÃO CUMPRIDA
Na terça à tarde, meu pai voltou para o
hospital. O enfermeiro achou que ele estava muito parado e com falta de ar. Mesmo
com a bomba de ar, ele não estava melhor, então resolveram leva-lo ao hospital.
Fui avisado no trabalho e fui direto. Ele chegou de ambulância, me deu uma
sensação muito estranha. Ficou internado na emergência. Fez mais exames. No dia
seguinte o médico conversou comigo. Disse que já tinha entrado em contato com o
médico que deu alta para ele e que fizeram uma junta médica e conversaram sobre
o caso do meu pai. Informou que ele não tinha motivos para estar no hospital:
estava sem febre, não tinha infecção e seu estado estava estável e por isso
nada justificava a permanência dele lá, que não seria bom ele ficar no hospital
pois poderia contrair alguma infecção, já que estava debilitado por causa da
demência, que o fragilizava. Sem febre. Sem infecção. Estável. Nada a fazer no
hospital. Entendi o que ele disse. Entendi que era melhor que meu pai estivesse
junto da minha mãe, em casa, caso acontecesse algo.
Na volta, meu pai estava muito comunicativo
dentro do carro. Falava, sorria, e, principalmente, agradecia. Agradecia por
tudo, agradecia a mim, agradecia a Deus. Achamos engraçado a reação dele, não
percebi que era uma despedida.
Dois dias depois, meu pai se despediu enquanto
dormia.
Uma sensação muito estranha me veio. Não sabia
o que estava sentindo. Era uma mistura muito grande. Senti um alento muito
grande. Acho que pude perceber a liberdade que me pai foi acometido. O alívio
em seu rosto era impressionante e isso me deu tranquilidade. A sensação de
vazio, de impotência continuava, mas, bem menor. A saudade, os pensamentos, os
receios. Uma certa solidão. Sentia tudo isso. Senti também a sensação de dever
cumprido: dele e meu.