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OS OUTROS. MAIS UM POUCO

Alguns são solidários, outros fingem solidariedade e/ou compreender o fato de seu familiar estar morando em uma casa geriátrica.
Este assunto sempre me ocorre e me voltou à cabeça quando recebi a ligação da filha de uma amiga da minha mãe. Antes de minha mãe apresentar seus problemas, a amiga dela já não estava em condições de ficar sozinha em casa e a filha a colocou em uma casa especializada. Não escutei críticas por parte de minha mãe. Fomos visitá-la algumas vezes. Logo em seguida minha mãe adoeceu e todo o resto que já contei. Como eram muito amigas, Deise (assim vou chamar a filha da amiga da minha mãe), sempre ligava para dar notícias da mãe dela e saber da minha mãe e assim foi acompanhando toda a história. Foi uma das poucas pessoas que entendeu o que eu estava passando e foi solidária.
Em nossa mais recente conversa, ela me contou que a família dela fala muito contra ao fato de a mãe dela estar em uma casa de repouso. Uma história bem parecida com a da minha família, porém sem os interesses financeiros ou pessoais. Disse que passaram a evitá-la e que visitam a mãe dela somente quando ela não podia ir. Até que houve um dia que se ofereceram para levá-la para passar um fim de semana com eles e ela concordou.
Resultado: o fim de semana durou menos de 24 horas, pois eles não aguentaram ficar com a idosa em casa, tendo que dar banho, trocar fralda, tratar, dar comida e remédios e a levaram de volta. É assim.

VISITAS
Hoje foi marcada uma reunião com os responsáveis pelos pacientes hospedados na casa que meus pais estão.
Cheguei um pouco antes do horário marcado, pois queria tratar de alguns assuntos antes da reunião. Duas senhoras estavam na sala aguardando também. Vou toda semana e de certa forma reconheço quem sempre vai e aquelas duas senhoras eu nunca tinha visto. Esboçamos uma conversa e logo falaram do que poderia se tratar a reunião. Para minha surpresa as duas foram falando que só poderia ser a respeito da crise. Fiquei me perguntando por que tal lembrança, mas, logo continuaram falando que estavam lá sempre, visitavam e faziam questão de estarem juntas de suas mães. Senti uma certa “justificativa” ou “defensiva” no ar. Permaneci calado.
Conclusões:
Sempre vou (principalmente aos domingos) e nunca as vi e todas as pessoas que comparecem com uma certa frequência se conhecem e se cumprimentam, afinal, acabamos convivendo com os pacientes e seus familiares e dividindo momentos, o que gera uma certa afinidade.
Percebo sempre que vários hóspedes não recebem visitas e, assim como eu, outros visitantes tentam suprir a falta de pessoas conhecidas deles.
Pessoas que comparecem uma vez ou outra agem que se vivessem lá visitando seus parentes, achando que enganam aos outros ou a si mesmas.

DISTÂNCIA
Hoje foi um dia muito cansativo. Meu pai estava muito agitado. Tenho notado que ele tem andado mais desorientado, mais disperso, entrando em um mundo só dele. Tem dia que participa mais, lembra das coisas perfeitamente. Hoje ele estava mais distante, com menos interesse nas coisas. Chegou a falar com o amigo dele pelo telefone, mas quando perguntei se ele queria falar com minha tia, ele disse que não. Ele chega a prestar a atenção, mas tem ficado mais alheio, apesar da agitação. Quando cheguei eles ainda estavam lanchando e eu sempre levo alguma coisa para eles comerem. Meu pai sempre come, mesmo quando acabou de lanchar. Já ouvi parentes dizendo que vários idosos são assim, perdem a noção do que já comeram. Coisas da cabeça.

ABANDONO?
Muitas pessoas ainda têm preconceito em relação a casas de repouso, acham sempre que os idosos estão abandonados. Na minha opinião, abandono é quando o idoso não tem com quem conversar e fica largado em alguma cama ou algum canto, mesmo que seja na própria casa.
Abandono é quando não interage com as pessoas. Muitas vezes, eu arrisco em dizer que na maioria das vezes, o idoso fica largado na cama e a pessoa que “cuida” fica no celular ou vendo televisão. Isso sim é abandono. Em uma casa de repouso eles estão sempre observando alguma coisa, vendo o movimento de várias pessoas, conversando com os profissionais e até mesmo com as visitas dos outros hóspedes. Tem sempre uma pessoa que estimula a atenção deles. Quem fala que é abandono ou não conhece a dinâmica de uma casa de repouso (uma boa casa, claro) ou nunca conviveram com um idoso que necessita de atenção especializada, então é muito fácil falar do que não se conhece, fingir que sabe como é.
O abandono pode ser em uma casa de repouso ou na própria casa. Se não tem atenção, carinho e preocupação, é abandono. O idoso precisa muito mais do que alguém trocando fralda e dando remédio (o que não é feito de maneira adequada quando está na própria casa). O idoso precisa de algo que lhe chame a atenção. Precisa de conversa, de olhar no olho, de carinho físico, de ser ouvido e de paciência. Muitos parentes ficam totalmente sem paciência porque tem que cuidar do idoso e dos demais afazeres de casa.
Quando se chega perto de alguém só para cumprir uma obrigação, só porque tem que fazer isso ou aquilo, isso é abandono, afinal se tivesse a opção de não fazer a obrigação, não faria.
Ou seja, será que chegaria perto para dar carinho? Será que vai querer desfrutar da companhia daquele idoso, se propor a fazer companhia a ele também? Não abandonar é dar de si sem se preocupar somente com as obrigações.