Cotidiano


UM POUCO MAIS LONGE
Mais uma visita e meu pai está mais distante. Fisicamente está bem, mas, o olhar e as atitudes estão mais lentas. Conversei com médico, enfermeira, fisioterapeuta e a resposta é a mesma: faz parte do processo.

AFASTAMENTO
O interesse dos outros tem diminuído bastante. Agora só estão os amigos, os de verdade. Aqueles que se metiam, davam palpites e perturbavam, graças a Deus, sumiram. Isto prova que não era preocupação pelos meus pais e sim uma maneira de eles fingirem que estavam se preocupando. Não se informavam, tiravam conclusões, queriam saber mais o que os médicos e a equipe.
Se realmente houvesse um cuidado ou interesse no bem-estar deles, estariam acompanhando até hoje. Os amigos de verdade continuam ligando e visitando e isto não é uma surpresa para mim. O lado bom é que as pessoas ruins não estão mais perto, o lado ruim foi descobrir que eles poucos se importavam com tudo.
Acho que tudo deveria ter sido diferente: todos deveriam estar acompanhando, visitando e se fazendo presente, não por mim, mas pelos meus pais. Vejo três ou quatro pessoas para visitarem um idoso e no meu caso é apenas eu para visitar os dois! Os poucos amigos que permanecem não visitam sempre, nem sempre podem ou então moram longe. Na maioria das vezes tenho que me dividir em dois para dar atenção a eles. Faço o que posso, não tenho com quem dividir, mas é melhor assim do que conviver com pessoas que trazem aborrecimentos e más energias.

MEU ANIVERSÁRIO
Sou muito discreto em relação ao meu aniversário. Só mesmo as pessoas mais chegadas que sabem.
Fiz questão de passar uma parte do dia com meus pais. Preferi não contar a eles que era o meu aniversário para não criar uma ansiedade ou uma lembrança que pudesse deixá-los agitados. Fiquei com eles e comemorei da maneira que deu para comemorar. Foi um presente ter estado ao lado dos dois, nós três juntos, como nunca tinha sido antes.

DIA ATÍPICO
Sem querer ser repetitivo, mas, faz parte do dia a dia: meu pai continua devagar, mais devagar. Minha mãe estava mais esperta, mais observadora, conversando, brincando, até!
Uma amiga deles foi junto comigo. É uma das poucas pessoas que se preocupam. É uma senhora de certa idade e que se faz presente sempre que pode. Apesar de meu pai estar mais distante, ela ficou animada com o tratamento que ele tem recebido, reparando até que ele está mais gordo! Reparou também no comportamento da minha mãe, que estava animada e comunicativa.
Fico triste em perceber as alterações, os altos e baixos, as fases da doença. Mesmo eles estáveis, percebo as alterações.

A RAPIDEZ DO TEMPO
Os meses estão passando rápidos, as preocupações se juntam e não há tempo para resolver tudo. São problemas que existiam e que não consegui resolver, como uma infiltração no apartamento deles e que o vizinho procura dificultar o conserto. Passei parte do dia, antes da visita, me aborrecendo por um problema pequeno que se tornou grande devido ao vizinho que desde que meus pais moravam lá não colaborava. Fico triste em ver o lugar que eles moravam se degradando. Fico triste em perceber que as coisas só se resolvem lentamente. Fico triste em perceber que sou um só para tanta responsabilidade. Fico triste em constatar que com tanta coisa o tempo é implacável e faz questão de passar mais rápido. O mês está acabando e está quase na hora de comprar os remédios, o material de higiene e ainda resolver problemas.
Parece que foi ontem.

VISITAS
Hoje, mais uma visita.
Quando cheguei já estava a amiga da minha com o marido e o filho. Durante a fase de adaptação dos meus pais na casa, nos estranhamos muito, afinal, ela se achava no direito de ser contra, mesmo percebendo a situação deles como estava e que permanecer em casa era pior. Com o tempo, melhoramos nosso relacionamento. Foi mais uma das pessoas que me estressaram. Acredito que com o tempo foi vendo que foi melhor assim, para todos.
Depois chegou meu primo, que levou meu tio e minha tia, irmãos do meu pai. Meu primo aparece a cada 3 meses, minha tia até mantém um certo contato, mas, meu tio, aparece cada vez menos, graças a Deus. Só acho estranho não querer saber notícias do meu pai, pois, não telefona, não entra em contato e não tem como ter notícias através de outras pessoas, enfim.... De certa maneira é um favor que me faz, pois, foi a pessoa que mais se meteu e, claro, a que menos ajudou. Quanto aos outros, sei que têm seu afazeres e prioridades e cada um mantém contato como pode ou quando quer, como exemplo cito um amigo do meu pai que mora em outro estado e liga sempre para saber dele ou para falar com ele.
Gosto quando eles recebem visitas, mas, visitas que compareçam para vê-los, conversar, matar saudades e não para procurar defeitos. Meu tio perde tempo, aliás, gasta a maior parte do tempo dele procurando algo para criticar e não aproveita a companhia do próprio irmão. É uma pena. Faz questão de ser antipático comigo como se eu fosse o responsável pela doença dos meus pais. Fazer o quê, né, problema é dele. Eu faço a minha parte, aproveito a companhia dos meus pais, procurando distraí-los, conversar e interagir todos, para fazer daquele momento o mais agradável, principalmente para quem está recebendo a visita, pois, precisam de sorrisos, afagos, carinho e muita, muita energia boa.

OFTALMOLOGISTA
Há alguns dias atrás meu pai apresentou uma irritação nos olhos. O médico indicou que o levasse a um oftalmologista. A própria responsável pela casa marcou a consulta e foi junto comigo para levá-lo. Fico imaginando como seria se ele não estivesse lá. Provavelmente acharíamos que era uma alergia e se tivesse que levar ao médico, não teríamos os cuidados de lembrar de informar que se tratava de um idoso, de saber se o lugar tem cadeira de rodas para ele usar, de pegar um encaminhamento médico para priorizar o atendimento por se tratar de idoso que requer cuidados, enfim, situações que fazem toda a diferença tanto para o idoso quanto para o acompanhante em uma situação dessas. Ter que lembrar de todos os detalhes e ainda lidar com a preocupação não é tarefa fácil.
Na consulta, a médica foi super atenciosa e fez os exames clínicos necessários. Falou que ele tem um pouco de catarata, mas que não valeria a pena operar devido à idade e a situação que se encontra, seria muito sacrifício para ele. Quanto ao problema dos olhos ela disse que se tratava de uma inflamação causada pela flacidez da pele e pelo fato de os canais lacrimais já não funcionarem direito, ou seja, uma coisa puxa a outra e assim não há lubrificação suficiente e o canal fica obstruído, já que não sai a lágrima para limpar os olhos. Ela limpou os olhos dele, mostrou como deveria ser feito e passou a medicação para tratar a inflamação e um colírio para cuidar da lubrificação. Mais cuidados para se ter, limpar os olhos e colocar o colírio.
Pergunto: será que em casa, com pessoas não habilitadas ou sem um exército de cuidadores, seria possível dar o tratamento adequado para tantos detalhes?
No fim da consulta, voltamos. Ele meio acordado meio distante. Mas observando em volta. Apenas mais calado.
E o corpo humano é assim: a idade vai trazendo consequências e as coisas já não funcionam mais tão bem. Aos poucos os sintomas do tempo vão se mostrando mais e mais.