Dia a dia


IDA AO MÉDICO
Ela estava muito feliz! Ria e fazia gestos. Era consulta com o neurologista. Havia muito tempo que não a via assim! Independente do passeio, ela tem estado bem. Acredito que agora os remédios estejam agindo melhor, ela está mais esperta, pois, como a médica tinha dito, só os remédios não adiantam, ela precisa de água e comida! E ela tem se alimentado direito agora e bebido água. Ela até pede água! A memória não melhora, mas, tenho percebido que fisicamente está melhor! De certa forma, dá algum conforto.

O TEMPO
Minha mãe estava bem, animada, alerta.
Hoje a visita foi meio complicada. Quando meu pai está com a fralda molhada ele fica irritadiço, agitado e começa a falar coisas que me deixam agoniado e agitado também.
Ele quer se mexer, quer andar, reclama de coisas que ele não sente, que não existem. Ele fica com vontade de andar sem rumo, porque o que ele mais fazia era andar. Minha sensação de impotência aumenta, nada posso fazer para que ele se sinta melhor. Não posso fazer andar além do que estou fazendo. E o que ele quer nem eu nem ninguém pode fazer, que é voltar a ser jovem, a ter alguns anos a menos. Nem ele mesmo, se estive saudável, poderia.
O corpo é uma máquina que desgasta e não há muito o que fazer. Tal como um carro, faz-se as revisões, troca as peças que podem ser trocadas, cuida-se bem, mas o desgaste é inevitável e não depende de ninguém, uma hora vai parar ou vai apresentar mais defeitos.
Não depende nem de mim, nem dos médicos e nem dele. Ninguém pode voltar o tempo.

OUTRA VISITA
Mais uma visita meio complicada. Apesar de clima ameno, o que facilita, a chuva e o cinza como cor predominante da paisagem deixa tudo meio melancólico.
Minha prima, meu primo e meus tios foram. O climão voltou. Observei meu tio dizendo para meu pai que dependia de mim a saída dele dali, que ele tinha que pedir, falar comigo sobre isso! Na mesma hora cheguei perto e tive que ser irônico dizendo que levaria ele para casa do meu tio, onde ele daria banho e faria as demais tarefas: trocar fralda, dar comida, dar remédios. Nada foi falado.
Fico muito chateado com isto, não por mim, mas pelo meu pai. É como se dependesse realmente de mim a estadia dele ali, mas não! Depende da doença, das circunstâncias. Ele achando que “a culpa” é minha só faz se sentir pior, triste, como se estivesse sendo obrigado a ficar em um lugar simplesmente por ter que estar, quando na verdade ele está lá para ser cuidado como não era em casa.
Esta situação realmente me deixa muito, mas, muito triste.

ENCONTRO NO ELEVADOR
Hoje encontrei uma vizinha no elevador do prédio, uma pessoa muito educada e gentil que geralmente nos falamos de maneira rápida, nos cumprimentamos e trocamos alguns comentários casuais.
Em outro andar entrou outro morador e perguntou pelo pai dela. Ao responder ela começou a chorar dizendo que o pai estava mal de saúde, internado e que tinha piorado. Chorou muito. Ficamos atônitos e eu não sabia do que se tratava, pois, podia ser uma pneumonia, um tombo ou um acidente. Ela, então, disse que o pai tinha Alzheimer. Vi naquela pessoa a mim mesmo. Quem convive com tal situação anda frágil e sensível e quando alguém pergunta alguma coisa a gente fica emocionado, nervoso, sem saber o que falar, o que fazer, o que pode vir a acontecer, pois, na hora de responder tudo vem à mente. A gente fica muito sensível com tudo e principalmente com esse assunto.
Procurei tranquilizá-la dizendo que é comum idosos terem alguns tipos de problemas e serem internados. É uma pneumonia, uma infecção urinária, enfim, os problemas vêm e vão. Falei que meu pai tinha ficado dois meses no hospital até se estabilizar e que voltou para a casa, mas, que a doença continua, pois, ela mesma causa tais transtornos e que temos que nos acostumar.
Ela acabou falando do seu cotidiano, das atitudes do pai devido a doença, da mudança de comportamento e das consequências; que tem evitado visitas devido ao constrangimento que passa – o pai se suja nas fraldas, tira a fralda, fala coisas inconvenientes, enfim, atitudes ditas “comuns” para quem sofre de algum tipo de demência. Mesmo sabendo que o pai não tem noção do que está fazendo e acontecendo, existe o constrangimento por ele também.
Disse para ela que a melhor maneira é relaxar, pois, não tem muito o que fazer a não ser se acostumar com a nova fase da vida. Ela disse que a pior sensação é perceber que não poder fazer coisa alguma, a impotência perante tudo isso. Mais uma vez me vi na situação dela. Não sabemos o que fazer e como lidar. Só resta aceitar e procurar fazer o óbvio que é dar dignidade: cuidar da segurança, dar os remédios e alimentar e mantê-los limpos.
Fiquei muito emocionado por ela, fiquei muito emocionado por poder ouvir uma pessoa que precisava desabafar e que tinha um problema tão parecido com o meu.
No fim da conversa falamos a mesma coisa: só que passa por isso é que sabe.

O NÃO SABER O QUE PENSAR
No começo do ano tive mais um susto. Liguei para saber dos meus pais e fui informado de que meu pai estava muito mal e que seria levado para o hospital de ambulância devido à gravidade do estado.
No hospital ele foi submetido aos exames e foi constatado que estava com infecção urinária e médica esclareceu o de sempre: é comum em idosos apresentar essas situações. Mesmo bem cuidado como ela estava, devido ao problema vascular qualquer coisa diminui a imunidade e como consequência aparece alguma infecção. Nenhuma novidade. Mais uma vez lembrando do “normal” e do “comum”.
Foi medicado, passou um dia no hospital e, ainda bem, a médica achou melhor dar alta para que ele continuasse o antibiótico na casa, pois, seria melhor do que no hospital.
Quatro dias depois ele já estava esperto. Falava, perguntava coisas e dizia que queria fazer algumas coisas que só passavam na cabeça dele. Estava em plena recuperação física, graças a Deus.
Fico me perguntando o que passa na cabeça dele, o que pensa. Pede coisas sem muito sentido, aponta para objetos e lugares que não existem. Fico meio aflito. De onde vem a vontade de fazer certas coisas, que lembranças são essas? Fico muito mal, pois, não tenho como acalmá-lo, como entendê-lo. Ele ainda não se recuperou totalmente para poder ir à rua, dar um passeio. Tanto ele quanto minha mãe não conseguem se concentrar para ler um livro ou ver TV. Minha mãe fica no mundo dela, apesar de tranquila e atenta, não tem vontades. Já ele quer sair andando, ir a um lugar que não sei qual é e não é possível pelas sequelas que ele ficou das isquemias.
Procuro respirar fundo e aceitar que tudo faz parte do quadro clínico deles. Não dá para fazer muita coisa e fico muito mal dentro da falta do que fazer.
Só resta ter paciência e tentar acalmá-lo. E a mim também.