Casas Geriátricas

EU

A intenção de toda esta escrita é que as pessoas entendam o que pode acontecer com alguns idosos e a família, as reações, os sentimentos e as decisões que precisam ser tomadas e todo o caminho percorrido e por isso estou contando a minha história. Não desejo para ninguém passar pelas coisas que passei. O assunto “casa geriátrica” gera um preconceito é muito grande e uma resistência maior ainda. Sempre existiu o “mito” do asilo, do abandono. Muitos falam sem conhecer ou conhecendo muito pouco de uma realidade que a cada dia que passa se torna mais comum devido a longevidade dos nossos.
Entrei em um ritmo que perdi a noção de minha própria vida. Sempre preocupado e me ocupando com a rotina deles e não tive mais tempo para cuidar de mim nem física nem psicologicamente.
Presenciar as situações que descrevi, fazer o dia ter 48 horas, deixar de lado horários de almoço e jantar, viver sob pressão e aborrecimentos constantes foram me deixando descompensado. Eu não tinha ânimo para fazer mais nada e mal fazia as minhas obrigações.
Mesmo com um apoio dos amigos e no trabalho, eu estava esgotado. O telefone tocava eu já dava um pulo achando que era algum problema: ou tinha acontecido alguma coisa ou tinha alguma providência para tomar o mais rápido possível. Passei a tomar mais e mais ansiolíticos e para não ter mais efeitos colaterais tomei, também, calmantes homeopáticos fórmulas para poder superar essa fase. Minha dentista falou que eu estava com desgaste dos dentes, pois trincava muito dormindo, rangia, apertava constantemente a boca, o que foi causando ainda quebra de obturações e blocos e dores no maxilar. Passei a frequentar mais ainda médicos, pois, sentia dores em várias partes do corpo, ansiedade e cansaço. Meus ombros, pescoço e coluna me lembravam que eu era de carne e osso. Não conseguia dormir direito e tinha crises de ansiedade. Minha despesa aumentou muito com remédios. Eu ficava disperso no trabalho, ou pelo cansaço ou pela preocupação, o que foi me prejudicando mais e mais. Não tinha mais vida social, não tinha tempo para dar um passeio ou ir a um cinema ou teatro e o único assunto que tinha com os amigos era sobre o que eu estava passando. Estava vivendo o problema 24 horas por dia em todos os segmentos da minha vida. Estava me tornando chato, problemático, péssima companhia e um péssimo funcionário. Os médicos que eu visitava com meus pais e os que eu ia me consultar diziam que para eu cuidar deles eu deveria cuidar de mim também. Tudo chegou a um limite.
Demorei a perceber o que era o ideal e o real. A diferença entre os dois é muito grande. O IDEAL é termos saúde, a família permanecer junta, em sua própria casa, com segurança, alimentação e dignidade. Só que dependendo do estado de saúde do idoso, a coisa não acontece bem assim, e aí temos o REAL. O REAL é a dependência dos idosos de pessoas para fazerem companhia, para se alimentarem e tomarem remédios. E ter gente por perto 24 horas por dia para qualquer emergência. É estar de banho tomado, limpo e seguro. É ter dignidade.
O IDEAL era estar em casa com idade avançada, porém com a mesma vida que se levava antes. O REAL é que não se tinha mais condições de ter a mesma vida que se levava antes.

A IDA PARA A PRIMEIRA CLÍNICA
Depois me muita luta, tudo acertado para a hospedagem na clínica. Era em Jacarepaguá, em um lugar muito agradável, limpo, organizado e que inspirava muita confiança.
Meu pai estava muito animado, afinal ele queria mudar de ambiente, ver pessoas, pois, ele não aguentava mais ficar em casa restrito. Minha mãe dormia o dia inteiro e as pessoas que ficavam com eles não eram preparadas para a convivência com idosos, logo, não interagiam, não conversavam e nem faziam coisas diferentes.
Minha mãe estava muito desconfiada. Apesar de estar muito ausente, quando tocava neste assunto ela tinha muita resistência. Fui saber bem depois que ela era influenciada por uma das acompanhantes a não aceitar. Claro que não era para o bem dos meus e sim, para o bem da acompanhante (sempre vou repetir isso).
Chegando lá meu pai ficou encantado com o espaço que parecia um sítio. Muitas árvores, espaço e um ótimo ambiente. Preparamos o quarto e foi feito o atendimento pelos funcionários da casa e pelo médico. Tudo muito bem feito.
Chegaram a almoçar e iam participar de uma festividade que estava prevista para aquele dia. Nesse meio tempo, minha mãe disse que não queria ficar e que queria voltar para casa. Apenas repetia isto. Não explicava o porquê e, provavelmente, nem sabia o que falava. Como eu ainda não tinha percebido a real situação, achei que ela sabia o que estava falando. Criou um certo constrangimento e foi categórica, mas dizendo apenas que não ia ficar ali. Na mesma hora meu pai desanimou, pois, ele queria muito ficar, mas não queria desagradá-la. Apesar de toda a insistência, não conseguimos convencê-la e também o médico responsável disse que não poderia ficar com uma pessoa que estivesse sendo contrariada. Após algumas horas, desarrumamos o quarto, guardamos as coisas e voltamos para casa. Meu pai nada falava, estava visivelmente contrariado e triste e minha mãe com semblante de quem tinha cumprido o seu papel. Fiquei sem saber o que fazer, só que tinha que voltar para casa. E voltamos. E as coisas, no mesmo dia, voltaram a ser como eram.
Nos dias seguintes a piora do meu pai foi grande. Ele passou a não reconhecer a casa dele e a falar coisas sem nexo. Minha mãe voltou a dormir o dia inteiro. A acompanhante do dia falou que a situação era bem difícil, pois, eles não reagiam a nada em casa e que ela mesma achava que o melhor era levá-los para uma casa geriátrica. A acompanhante da noite, nada falou. Depois de algum tempo entendi o olhar de cumplicidade dela para minha mãe. Vamos chegar lá.

A IDA PARA A CLÍNICA – a segunda
Depois de alguns dias muito complicados onde a piora deles foi muito significativa, decidi encontrar outra casa que fosse mais perto e que pudéssemos estar mais presentes, afinal a primeira já não tinha dado certo e era um tanto longe e as visitas seriam mais difíceis. Conversei com a minha prima, a que se assuntou no começo, a respeito da clínica. Ela acabou me dizendo que um conhecido dela, muito exigente, tinha levado o avô para uma casa perto da casa dela e que ele gostava muito de lá. Achei a ideia boa, pois, pelo fato de alguém da confiança dela ser exigente e ter gostado, era sinal que o lugar era bom e a localização era ótima para que familiares pudessem visitá-los com mais frequência e assim tornar mais fácil a adaptação. Observação: comentário contraditório dessa minha prima, que tanto se meteu para que eu não fizesse, mas ao mesmo tempo foi decisivo para a ida deles para lá. Isso só prova que ela queria se meter aonde não era chamada, como a maioria das pessoas. Após outros episódios em casa, marquei o dia e levei-os para essa casa. Mais uma vez todo o aparato foi realizado. Chegando lá conversei com os responsáveis. Em primeiro momento não me senti à vontade, mas, passei a observar detalhadamente as pessoas e o lugar e me lembrava da dificuldade que estava sendo me casa.
Tanto a responsável pela casa quanto a enfermeira chefe me explicaram das fases lá. Existe uma adaptação onde os idosos em primeiro momento estranham, mas que com o passar dois dias eles vão se acostumando. Senti muita segurança e confiança e percebi que era a escolha certa, lá era o melhor lugar para eles: tinha carinho, atendimento, higiene adequada, alimentação e tudo o mais. Foi a decisão mais difícil da minha vida, mas, eu sabia que estava fazendo o certo.
Fiquei um pouco com eles e tive que ir embora. Sem palavras, sem voz, com lágrimas nos olhos e um aperto muito grande dentro de mim, mas, algo me dizia que era aquilo que eu tinha que fazer. Parecia o primeiro dia de aula de uma criança. Eu queria ficar com eles, mas não podia. Meu pai, como tinha piorado e ficado mais apático, ficou quieto e minha mãe, um tanto aborrecida. No outro dia entrei em contato e disse que ia lá. Pediram-me que não fosse para não atrapalhar a fase de adaptação deles. No outro dia fui com uma das acompanhantes, a que era da família. Percebi meu pai mais animado e minha mãe mais revoltada.
A equipe já estava fazendo o trabalho. Observando os remédios, os exames, os horários, a alimentação e o comportamento deles. O médico já iniciava um diagnóstico e a enfermagem e nutricionista já preparavam as estratégias para se alimentarem, beberam líquidos e administração de remédios. Tudo com muito carinho e competência.
Passei os três primeiros dias conversando e tentando explicar tudo para as pessoas que me ligavam ou com quem eu falava. Perdi muito tempo com pessoas que na verdade não estavam interessadas em ajudar e sim, se meter na vida dos outros. Conversava muito com as pessoas da clínica e passei a entender a evolução dos problemas deles, coisa que não tinha tempo e cabeça para observar quando estavam em casa. Agora ia poder realmente enxergá-los agora e ver como as coisas estavam. Fui me acalmando, pois, já tinha percebido que não havia outra opção e que o lugar ia cuidar bem deles.
Poucos dias depois, recebi um telefonema informando que minha mãe tinha quebrado o pé após uma reação dela para sair de lá. Corri para o hospital e começou uma fase muito chata e cansativa. Ela teria que fazer uma operação, pois, teve uma fratura grave após um comportamento inadequado. A atitude dela fez com que tropeçasse e caísse em cima do pé e como estava muito acima do peso, a lesão foi pior. Teria que fazer uma cirurgia para colocação de uma placa e pinos no pé. Ficou internada três semanas desde a sua entrada até a recuperação da cirurgia. Enquanto isso meu pai ficou na casa continuando seu tratamento e adaptação. E melhorava a cada dia! Passou a conversar mais e a ficar mais atento. Comia, bebia e dormia nas horas certas e tomava os remédios.
Para minha surpresa, minha mãe reagiu muito bem no hospital, não falava mais de casa nem da casa geriátrica. Só perguntava pelo meu pai. Foi um período muito difícil, pois eu me dividia entre meu pai, as visitas ao hospital e minha vida. Quando minha mãe voltou para a casa geriátrica não reagiu muito bem, mas, como estava com o pé imobilizado e viu que teria que se recuperar foi ficando mais paciente, porém, chorava e repetia que queria ir embora. Um dia perguntei porque ela queria sair e para onde ela queria ir. Achei estranho quando ela não soube me responder. Parou de chorar e disse que não sabia porque queria sair dali e nem para onde iria, mas, repetia isso me deixando muito triste e passando a piorar o estado do meu pai, que ficava muito preocupado com ela. Resumindo: a melhora dele começou a ficar ameaçada pelo lado emocional em presenciar a contrariedade dela. Ele começou a ter problemas.
Em relação ao estado de saúde deles, principalmente mental, eu nada mais poderia fazer do que a manutenção médica, exames, alimentação e medicação. A higiene e a qualidade de vida já estavam sendo dadas pela casa. Na casa deles, a situação era bem diferente. Sabia que não tinha mais volta, pois, ambos tinham uma doença degenerativa: a demência. Tentei fazê-los ler livros, jogos, televisão e rádio, mas nada adiantava, eles não tinham mais interesses, não conseguiam se concentrar nesse tipo de atividade, então restava viver cada dia, sem maiores expectativas, porém, investindo no que podia, que era conversar e interagir com outas pessoas.
Depois de algum tempo, com minha mãe já se recuperando do pé (levou uns três meses para ela começar a poder pisar no chão) e nesse meio tempo tivemos várias visitas ao hospital para acompanhamento e manutenção da cirurgia e retirada dos pontos, fui respirando e tentando entender mais as coisas que estavam acontecendo.
Por que minha mãe só falava em sair, mas não dizia para onde e nem sabia porque estava falando? Ela não lembrava mais da casa dela e mesmo assim tinha reações negativas que deixavam meu pai muito triste causando a piora do estado dele. Ela repetia automaticamente e eu não conseguia entender. Meu pai, que tinha melhorado muito, voltou a ter problemas de saúde.