VISITA, 14 de FEVEREIRO
Quando cheguei minha mãe estava sonolenta e
meu pai dormindo. O calor estava muito forte.
Depois que meu pai acordou ficou meio agitado.
Tem dias que ele fica assim. Percebo logo quando tem alguma alteração. Ele
procura alguma coisa na roupa, quer comer doce, acha que tem doce dentro do
bolso do short. São poucas as vezes que isso acontece e a explicação está no
quadro clínico dele. A demência dele, vascular, causa uma instabilidade de
comportamento algumas vezes. Mesmo com os remédios em dia, é comum acontecer
uma variação de comportamento, apesar de que as dele são raras. Como ele tem
estado mais para bem do que para não muito bem, já me acostumei e já sei quando
está meio “out”. Pode ter sido alguma arritmia, alguma coisa na circulação que
altera. As alterações que ele apresenta de vez em quando são bem menores das
que ele apresentava em casa e menos frequentes.
Fico triste em observar a postura dele. Devido
à doença ele tem ficado mais encurvado e os movimentos mais lentos de um lado,
então a tendência é ficar meio caído para um lado e mesmo com a fisioterapia
aparece uma atrofia e encurtamento do corpo, principalmente no pescoço.
Observei em outros pacientes também. É respirar fundo e aceitar.
Minha mãe despertou e fica como sempre:
alerta, olhando em volta, participando das coisas que acontecem ao redor. Pediu
água e pediu de novo. Isso me alegra, me anima. É sinal que está bem. Bem
melhor que antes.
CUIDANDO DE MIM
Tenho tentado cuidar de mim. Minha saúde
física e mental ficou muito abalada desde o início de tudo isso. Ando muito
ansioso, nervoso, trincando os dentes e com dor de cabeça por causa disto. Faço
tudo correndo, estou sempre com pressa e nem sei porque. Quando percebo estou
agitado.
Conversando com pessoas que cuidam de pai ou
mãe com problemas de saúde percebi que sentem o mesmo.
Acordo e penso nas coisas que tenho que fazer
e muitas das vezes não consigo fazer nada. Falta ação. Sobre ansiedade e
irritação.
Entrei num turbilhão. Tive que lidar com tudo.
No começo era levar a médico, fazer compras, remédios e todas as
responsabilidades além da administração da vida deles e da casa. Mesmo quando
as coisas dão uma trégua, não consigo sair da velocidade. É uma inércia às avessas.
Estou sempre na adrenalina e fico cansado, não
curto os momentos que deveriam ser bons, estou sempre alerta achando que vai
acontecer algo. O telefone toca e eu já acho que aconteceu alguma coisa.
Preciso tratar isso e relaxar. Mesmo sabendo que eles estão bem e estáveis, a
preocupação tomou conta.
Tenho feito o que posso e consegui fazer com
eles estejam bem e bem tratados. Agora estão cuidados, medicados e estáveis.
Já está mais do que na hora de cuidar de mim.
ACONTECE QUANDO TEM QUE ACONTECER
Minha mãe tem uma amiga com bem mais idade do
que ela. A chamo de tia, pois assim a considero.
Sempre foi uma pessoa atualizada, que procurou
se manter informada e antenada. Um dia sofreu um pequeno acidente que a limitou
um pouco e devido à idade teve uma recuperação mais lenta e não plena. Mesmo
assim entrava em contato toda semana para saber dos meus pais. Conversávamos um
pouco e me dirigia palavras de apoio e carinho.
Um dia estranhei que tinha parado de ligar.
Entrei em contato e soube que estava internada devido a uma pneumonia.
Fui visitá-la para saber se precisava de
alguma coisa e estar um pouco com ela, era um pequeno gesto de retribuição por
todo carinho que dava a mim e a meus pais. Notei uma pequena diferença em seu
comportamento, mas, achei que poderia ser em virtude do tempo de internação, a
tal da síndrome do confinamento. Dias depois liguei para saber e fui informado
que já estava em casa. Teve alta, já estava curada da pneumonia. Mas tinha um
porém: continuava desorientada. Lembrei de uma conversa que tive com a médica
da minha mãe. Há vários tipos de demência e várias causas, inclusive por algum
tipo de infecção. O idoso pode ter uma pneumonia ou infecção urinária, o que é
comum, e, logo após, demenciar.
E foi o que tinha acontecido com minha tia. O
médico disse que ela tinha possibilidade de voltar, só o tempo ia mostrar, mas
o tempo estava mostrando que não ia ser assim. Ela estava se comunicando e se
alimentando, mas não estava como antes.
Resumo: era uma pessoa que se cuidava tanto
física quanto mentalmente – e espiritualmente também, mas após uma pneumonia
desenvolveu demência senil.
São coisas que não temos como prever.
OPORTUNIDADE
Conversando com uma pessoa, contei um pouco da
minha vivência com meus pais e os problemas de saúde deles.
Ela me lembrou de uma coisa: agora estou tendo
a oportunidade de retribuir o carinho e o cuidado que eles tiveram por mim. E é
verdade. Cuido deles como se fossem crianças que precisam de cuidados, como se
fossem meus filhos. Sempre convivi com eles respeitando e procurando ser um bom
filho. Antes eles não precisavam de mim e agora precisam e a coisa mais
importante que tenho a fazer é retribuir o cuidado que tiveram comigo.
AS LEMBRANÇAS
Tem dias que meus pais estão mais atentos e
outros não. Tem dias que lembram de várias coisas, outros dias, não.
Sempre me pergunto se vale a pena “puxar” pela
memória deles. Tento tocar em algum assunto ou falar de alguém que conheceram.
Quando não se lembram fico na dúvida se devo insistir, pois, tento me colocar
no lugar deles e acho que eu ficaria agoniado em saber que estou perdendo a
memória, logo, tenho medo de deixá-los ansiosos ou tristes insistindo em
lembranças.
Acho também que alguma lembrança poderia
trazer sofrimento por um passado que não vai voltar mais e por coisas que não
poderão mais fazer, tanto pelo tempo que passa, pela doença e pela idade deles.
Forçar uma lembrança pode não ser bom.