A tranquilidade que vem


Com o tempo observei uma grande tranquilidade no semblante dos meus pais. Antes era um ar de incerteza, de sofrimento e às vezes de tristeza. Hoje não vejo mais estes sentimentos em seus olhares.

Meu pai está sempre disposto a conversar, a responder e a interagir, o que não acontecia em casa. Minha mãe observa tudo em volta, sempre atenta e quando depara com alguém abre um sorriso! Antes ela dormia o tempo todo. Tudo muito diferente de quando estavam em casa. A cada dia parecia que eles deprimiam mais e mais. Ficavam cada vez mais calados e distantes. Na casa de repouso eles foram se acostumando e gostando do movimento, das pessoas e da mudança na rotina. Em casa eles não tinham muito o que fazer.

A permanência em casa trazia o impulso da responsabilidade, das obrigações que tinham antes e que agora não podiam mais ter devido a debilidade física. Acredito que isso os deixavam muito tristes, principalmente meu pai. Eles tinham a ratificação da limitação e da incerteza. Na casa a situação foi outra, pois, a mudança de ambiente fez com que eles passassem a pensar em outras coisas e mais em si mesmos. A tristeza deu lugar a uma vontade de melhorar, afinal, mesmo com as limitações determinadas pela demência, tinham os estímulos dos profissionais. Não quer dizer que a doença ia regredir, não. É uma doença degenerativa. Mas a qualidade de vida melhorou e trouxe uma tranquilidade para lidar com tudo. Gradativamente foram deixando de lado as preocupações e cuidando mais do próprio bem estar. Sabiam que não tinham mais que se preocupar com contas, compras, obrigações e afazeres rotineiros que quase sempre não dão prazer.

O complexo de depender dos outros, a vergonha de deixar de cuidar para ser cuidado, deu lugar a uma sensação de esperança, de saber que estava em lugar para se tratar e não mais esperar o fim chegar.

O resultado não foi a cura, óbvio. O resultado foi ter uma sobrevida com mais dignidade, o que trouxe uma melhora geral no estado de espírito dos dois.